Por mais estranho que possa parecer para quem me lê tendo mais de 30 anos, J.K.Rowling tornou-se, pra juventude do século XXI, uma autora ultrapassada a partir do momento que começou a dar sua visão de mundo pelo Twitter. Está na hora de admitir que, Harry Potter, é um fenômeno literário importante de fechamento do século XX, mas que encontra resistência no século XXI - tanto quanto sua autora.
É preciso admitir que o Harry Potter dessa imagem, assim como sua autora, talvez estejam mais envelhecidos do que pensamos. Mas isso não precisa ser necessariamente ruim.
A Geração Rowling.
Existe um fenômeno temporal que muitas vezes não percebemos: a geração de leitores que J.K Rowling formou está, hoje, com seus trinta e quarenta anos. Mas a geração que a lê no twitter, atualmente, não se formou, apenas, com Harry Potter - como a minha.
Não é de hoje que os posts de J.k. Rowling tem causado burburinhos na internet. Sua insistência em alimentar o universo de Harry Potter nas redes, sua tentativa de alavancar novas histórias por meio do cinema com Animais Fantásticos e sua tentativa de liderança virtual em posicionamentos políticos-sociais tem se mostrado, no mínimo, falho.
É preciso salientar que sou fã em absoluto de Rowling. Sou seu público original, vamos dizer assim. Aquele pré-redes sociais, mas já no início da internet suficiente para discutir teorias sobre o seu livro sete em fóruns de Harry Potter, em época de internet discada, onde a madrugada era a companheira única de quem se aventurava no mundo virtual.
Rowling sempre teve uma sensiblidade ímpar para construir suas narrativas literárias. Tudo em Harry Potter parece estar exatamente no lugar que deve estar com um ideário progressivo e humanista. O que tem acontecido com Rowling, então, nas redes sociais? Qual o motivo de sua persona virtual aparentar certo descuido tanto com o progressismo de sua obra quanto seu olhar humanitário nas posições que defende em sua literatura? Será que como os jovens fãs de Harry Potter defendem, Hermione, escreveu os livros da autora utilizando um viratempo que a possibilitou também virar mundos?
Apesar de preferir essa última hipótese a qualquer outra que poderia escrever aqui, o que me deveria fazer parar a escrita imediatamente!, creio que a resposta é mais simples do que parece se comparado ao viratempo entre ficção e realidade (mas nunca superior!).
E ela diz respeito, justamente, ao olhar revolucionário da autora que funciona como a verve que a mantém atuante nos tempos recentes. Todavia, talvez, sua visão de revolução não soe tão revolucionária assim para juventude do século xxi. Talvez seja triste dizer que, Harry Potter, com seu preto e branco tão definido, seu bem e mal em lados tão escancarados, não funcione mais completamente para a geração que se formou no twitter vendo seus heróis cometendo equívocos e seus vilões terem tanto apoio de pessoas tão próximas e queridas. Não é à toa que ser de Sonserina esteja mais em moda do que ser de Grifinólia nas redes sociais.
Os comentários de J.K. Rowling no twitter nos mostram com a autora se enxerga tendo um discurso revolucionário. Seu último comentário em defesa do sexo biológico, como instrumento essencial e determinante dá análise sobre gênero , incomodou bastante o público jovem que a lê. Tal fala não encontra eco, da maneira que colocou, no conservadorismo vigente destes tempos. Não era isso que Rowling propunha. A autora levantou uma bandeira forte, muito ligada ao feminismo da segunda geração da década de 70. E mais do que o comentário em si, talvez esteja aí o nó que se formou a partir dos comentários de Rowling, que a fez ser percebida como transfóbica. Sua bandeira revolucionária dialoga bem com o público que compreende seu discurso do século XX e tem paciência de entender o que a autora busca com suas "alfinetadas virtuais" . Mas no mundo do século XXI, tal posiciomanento seco, em 200 caractéres, nos faz perder o que tanto amamos em suas milhares de páginas de Harry Potter: empatia.
E isso nos dói por ,justamente, ser isso que amamos em Harry Potter: empatia com as minorias mesmo que sejam elfos domésticos que não são reais no nosso mundo. ( nem bruxos são, mas como gostaríamos que fosse fico apenas com os elfos não sendo!). É doído quando o discurso de Rowling nos lembra menos Hermione do que gostaríamos. Acabamos refletindo que a personagem, espelho de Rowling na obra, não seria contudente na defesa de um ponto de vista que desumanizasse um grupo social. Mesmo que ela achasse o discurso certo. O ímpeto de fala da personagem diz mais do afrontamento a quem está no poder do que de grupos que também estão à margem. Nos é lícito pensar que o feminismo de Hermione não negligenciaria outros grupos marginais. Afinal é esta jovem que lutou pela libertação dos Elfos Domésticos mesmo sem se importar, prioritariamente, com o sexo daqueles serviçais escravos.
Imagino que não seja fácil para a voz de toda uma geração, responsável por tirar a juventude do final do século XX e início do XXI do marasmo literário que poderia surgir com a chegada da internet, se reinventar a ponto de fazer sentido pra juventude de dez, 20 anos depois. É que o mundo girou rápido demais. O Cinzento Snape faz mais sentido do que nunca nos dias atuais e não mais o branco Dumbledore ou o enegrecido Voldemort. A jornada do Herói precisa ser escrita também em 200 toques e não mais somente em 3000 páginas.
Esse é o novo desafio que torço pra que J.K.Rowling consiga vencer em suas escritas no twitter. Porque seu Humanismo bruxo merece, ao menos pra mim, um voto de confiança trouxa.
Não farei análise de falas pregressas de JK, pois não tenho essa disposição. Mas com relação ao artigo sobre "pessoas que menstruam" ela tem todo meu apoio, pois a biologia feminina não deve ser relativizada. Já passamos tempo demais fechando as pernas, amarrando os seios e nos sentindo sujas por menstruarmos, para que admitamos esse cancelamento. Se a geração que cresce neste século relativiza tudo o que encontrou pronto ou quase pronto, sem conhecer as lutas que exigiram, que respeitem os posicionamentos discordantes. Nosso corpo não é apenas nossas regras, é nosso patrimônio cobiçado pelo patriarcado. Disputado por déspotas de todos os perfis e por causa da insubmissão, somos assassinadas aos milhares. Sim, nós mulheres menstruamos, e também geramos e…
Eu realmente não acho que as falas da JK diminuem o impacto que a obra dela teve na vida de tanta gente, inclusive na minha. Se entrar no Twitter dela verá tantos relatos de jovens que encontraram sua única companhia nas páginas de Harry Potter e que encontraram conforto nos momentos mais escuros de suas vida. Mas como fã da obra desde criança é decepcionante às vezes. A JK continua me decepcionando. Sempre que coisas assim acontecem eu me pego no dilema: até que ponto podemos separar a obra do autor? Convivo com muita gente dessa geração nova, que nasceu nesse século, e se tem algo que percebo é que eles não separam, e não perdoam atitudes que não condize…